quarta-feira, 29 de maio de 2013

PÓVOA DO CONCELHO


 

 


 III PARTE


 

... continuação Estando atento à toponímia da localidade de Póvoa do Concelho, a sua origem aparece-nos estreitamente ligada à paróquia de Santa Maria de Guimarães de Trancoso, sendo um curato anexo e ainda vir a ser evocada pelo reforço do complemento determinativo “do Concelho” que outro não poderá ser senão o do concelho de Trancoso. Há uma certa inclinação em crer que a referência a “Guimarães” conduz a nome de pessoa (patronímico) de origem germânica, da idade média, designação essa atribuída a uma das quintas que tinham por sede o burgo de Trancoso. Contudo, esta fundamentação parece encontrar-se envolta num ambiente polémico e pouco convincente, daí a   posição mais consensual se focar na etimologia de “Guimarães”. Esta deriva do nome próprio do presor de Porto Calle, Vímara que tomara pelas armas aos invasores o locus Calle no sítio do “Portus” (a passagem da via romana na parte mais estreita do rio Douro), por volta de 868, tendo, para tal, contribuído a acção militar de Afonso III de Leão e das Astúrias (833-912), de cognome o Magno. Culminou assim, esta intervenção militar conjunta, na recuperação de todo o território de que outrora fora destronado por Fruela, seu rival. Nesta refrega belicosa, destaca-se o nobre “milites Vimare Peres”, na qual se pretendeu consolidar, como posição estratégica e administrativa (“Portuscalle”) incluindo os domínios virados a norte e constituindo, por último, os fundamentos reais da futura Terra portucalense.

                As sucessivas investidas de povos beligerantes, entre eles, os normandos, obrigaram a que a administração do território fosse transferida para local mais propício à sua defesa e manutenção, pelo que veio a recair em local mais chegado ao interior, dando lugar à criação de Vimaranis (ou seja a terra de Vímara, de seu nome Guimarães), local coincidente àquele que hoje ocupa no mapa geográfico do território.  Mais tarde, as lutas bélicas contra a mourama sucedem-se  num contexto territorial que abrange a disputa dos domínios de Lamego, Viseu e Trancoso. Todos estes vastos territórios foram ocupados por D. Rodrigo e D. Leodegúndia, oriundos do Alto Minho e terras durienses, tendo por filha D. Chama (Flâmula Rodrigues). Esta, fiel à sua honra e deveres de cumprimento do seu testamento doou, em 960, o seu valioso património de terras e bens, nomeadamente ao castelo de Trancoso, entre outros, ao mosteiro de Guimarães, de devoção a Nª. Sª. de Oliveira de Guimarães, cujo nome emblemático (Nª. Sª. de Oliveira de Guimarães) foi atribuído à igreja do castelo reconstruída sobre ruínas.

                É muito mais tarde, em consequência de uma investida de Almansor, com vista a reaver as possessões da beira e vingar-se das derrotas sofridas pelos seus antecessores, que surge novamente o rei de Leão, D. Fernando, de cognome o Magno, (1055) conquistando todos os territórios perdidos, abrangendo toda a região de Trancoso e, como é óbvio, se incluíam os domínios de Póvoa (do Concelho) de Nª. Srª. de Guimarães de Trancoso. Constituíam esses domínios património testamentário a favor do mosteiro Vimarenense, abrangendo as “probaduras” (derivado do latim populaturas), isto é, “pobras” ou póvoas existentes na zona e legadas ao referido mosteiro vindo, por esta via, a acentuar-se uma forte ligação mariânica a Guimarães/Trancoso/Póvoa do Concelho.

                Passando ao período de pacificação, o aglomerado primitivo de Póvoa do Concelho aproveitou a tranquilidade do momento para descer bem lá do alto do Penelo da Vila (castrejo anterior aos primórdios da lusitanidade) e espraiar-se pelos férteis vales e planícies das ribeiras de Vale de Mouro e do Massueime e outras linhas de água de menor relevância, dando lugar à criação de povoamentos e consequente fixação e ocupação territorial das Quintas do Prado, das Queimadas, da Rasa, do Pocinho, do Perlinho, Casal do Pedregal, da Tapada da Laje, dos Trigais, das Moitas, do Rosende, Espadanal, Aldeia Velha e Casal da Atafona. É forte convicção que a Póvoa primitiva tem as suas origens e alicerces ancestrais no alto da cordilheira, a poente, do Pinelo ou Penelo da Vila, que a fiel tradição de gerações das gentes da minha/nossa Terra, chamaram a si, baptizando-a de “Serra da Póvoa”.

Adolescente ou jovem que se preze, certamente aqui veio só ou acompanhado, em romaria ou aventura, em passeio ou estudo, quiçá matar saudades..., e não deixou de aproveitar a ocasião para gozar do privilégio indiscritível daquela ampla e bem arejada varanda da nossa Serra, desfrutando os mais belos horizontes, em dia de sol radioso primaveril e, simultaneamente, ali se inspirar nas origens profundas dos seus mais remotos antepassados. Daqui, em cima deste palco maravilhoso, pode soltar uma saudação altiva à Vila (agora cidade) e ao seu castelo amuralhado (distância aproximada de­­ 6 km em linha recta), com voz estridente de pregoeiro, o belo poema da autoria de Manuel Joaquim Barroco:

I

“Tarracon, rei de Etiópia e Egipto

Dizem ser seu fundador,

Mas isso não passa de mito

Pois não há provas de valor.

II

Prosperaste nos tempos dos godos,

Depois os árabes te habitaram,

E as tropas de Fernando Magno,

Dos mouros te libertaram.

III

O rei mouro, Albrecazan voltou

Em ódio guerreiro  e feroz,

De ferro e fogo te matou

Fugindo depois para Badajoz.

IV

A rainha Santa Isabel

Tinha Trancoso no pensamento

Por na igreja de S. Bartolomeu,

Ter contraído seu casamento

V

Terra do famoso profeta

O Bandarra, sapateiro

Cujas enigmáticas profecias

Correu Portugal inteiro”.

 

Afinal que marcas visíveis deixaram os vários povos que por aqui passaram? Para além do que atrás já fora mencionado, encontraram-se, no período da década de sessenta do século passado, na Quinta do Prado (exploração agrícola do sr. José Antunes Guiomar), vários achados arqueológicos a atestar a presença de povos de influência romana. Entre essas descobertas apareceram tijolos, telhas (uma delas com uma inscrição) e pesos de tear, que actualmente se encontram em exposição no museu municipal da Guarda, expressando ainda o nosso prezado conterrâneo a vontade e alegria de todo o citado espólio o poder ver regressar um dia ao futuro museu, a criar, na nossa terra. Não muito distante dali, cerca de 2,5 Km (?) vai-se encontrar a ponte romana dos “Carvalhais”, robusta de três arcos sobre a ribeira do Massueime, relativamente bem conservada, que no dizer dos estudiosos servia de passagem aos exércitos romanos em direcção a Bracara Augusta (Braga).

                Na povoação são raros os vestígios visíveis, mas a presença destes, como por exemplo a coluna de granito, na rua da Cruz de Pedra, ligeiramente facetada na extremidade ao alto, enquadra-se na simbologia fálica romana e que alguém, intencionalmente ou não, cristanizou aquele símbolo pagão colocando no seu topo a cruz de Cristo. A uns escassos metros daqui, em sentido oposto, existia uma habitação que foi demolida, da qual foram removidas algumas pedras e recolhidas, representando imagens de animais julgando serem de origem romana. Dir-se-á ainda que o vocábulo “atafona” atribuído ao Casal da “Atafona” (propriedade rústica) provém do árabe at-tahiina, local de moinho, e, por coincidência ou não, sabe-se lá..., ainda existe hoje nas imediações a Quinta do Moleiro. É curioso não é?!! E quanto ao resto? Tudo o tempo levou e os homens também consentiram devido à ignorância e inércia...

                Quanto a ilustres personalidades históricas de Póvoa do Concelho, destacaria, nos meados do  séc. XVII, a título de exemplo, o cavaleiro Francisco de Sequeira, fidalgo de renome de quem se diz ser natural e aqui provavelmente ter morado, após a sua missão bélica e valorosa em Tânger, da qual resultou a monarquia ter-lhe concedido a apreciada quantia de 2 000 réis pelos serviços prestados. Outros haveria a assinalar, mas não será por isso que merecem menor respeito e deixarão de ombrear com os maiores seus antepassados.

                Após esta viagem e chegados aqui, passeando sobre os fundamentos, memória e origens, isto é, a história da minha, da tua, nossa Terra beirã e trancosana, não poderia deixar de vos dirigir o derradeiro convite: vinde e confirmai que a Terra de todos nós nasceu ao colo de Nª. Senhora a cheia de Graça na companhia do Menino-Deus, merecendo a dócil Mãe o nosso duplo compromisso de fidelidade de amor filial e ainda a veneração e devoção profundas à sua imagem colocada, em sentinela, no altor-mor da igreja matriz de Póvoa do Concelho. Salvé, ó Padroeira.

ZC

BIBLIOGRAFIA

 

-- Almanaques Anuários de Trancoso “O BANDARRA” de Santos  Costa;

-- Almanach-Annuários de Trancozo de H. Bravo

-- Livro “Panoramas do Distrito da Guarda” de Manuel Joaquim Barroco;

-- “Jornal A Guarda”;

-- Colaboração de amigos conterrâneos e outras pessoas de estima.

 

 

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