De certo modo,
fui cortesmente desassossegado na minha pacatez. Gentilmente, propuseram-me um
tema, deveras exigente, para falar da minha/nossa terra. É um desafio que vou
procurar abordar ___ com limitações, é certo ___ e a todos convido para fazer uma viagem
às nossas memórias/conhecimentos e dizer algo sem pretensões nem preconceitos.
Condição “sine qua non”(condição indispensável...): jamais falar mal da
minha/nossa terra!! Espero não ter que me penitenciar deste atrevimento, mas conto
já com a indulgência da frase latina “errare humanum est” (errar é próprio do
homem).
Póvoa do Concelho é uma das 29 freguesias (até ver.., visto que a reforma da lei autárquica prevê a extinção e fusão de freguesias) do concelho e comarca de Trancoso, distrito e diocese da Guarda. Dista da sede do concelho cerca de 13 km (EM 102-4), 4 km de V.F. Naves (EM 591), e da Guarda 30 Km, aproximadamente (várias são as opções alternativas). Bem se pode dizer que a freguesia, em termos de ligações com os centros urbanos mais relevantes, se encontra suficientemente servida com boas rodovias. A localidade estende-se com tendência longitudinal N/S, ao longo da estrada VN. de Foz Côa/VF. das Naves, tornando-se notório dois núcleos distintos populacionais. Continua a manter a posição no grupo de freguesias do concelho de razoável densidade populacional.
Acontece porém, que já no séc. XIII
fazia parte do julgado de Trancoso. Como lugares, outrora povoados,
assinalam-se as Quintas da Folhinha e muitas outras espalhadas entre as margens
da Ribeira de Vale de Mouro, a poente e a do Massueime, a nascente. Tem por
padroeira Nª. Sª. da Graça ( acrescem 7 igrejas no concelho como padroeira e 70
no país, no séc. XVIII), considerando-a, desde os tempos mais remotos, como uma
das devoções mais antigas e arreigadas na aldeia, concelho e país.
Eclesiasticamente, o pároco da freguesia estava sob a alçada da abadia de Santa
Maria de Guimarães (ou Guimarães de Trancoso), usufruindo dos rendimentos
próprios de 26$000 mil réis e pé-de-altar.
Depois do séc. XI não parece ter
existido aqui qualquer dominação do mosteiro de Guimarães, mas regista-se,
todavia, a presença da Ermida de S. Sebastião e uma capela particular a cargo
do pe. Manuel de Figueiredo. Pena é que estas verdadeiras relíquias
de arte sacra e património religioso não tenham resistido a decisões (in)
felizes dos homens, no que se refere ao seu desaparecimento, ou então vítimas
da fúria demolidora dos tempos.
No que respeita às festividades anuais,
merece especial destaque a celebração da festa de S. Sebastião, que o
calendário litúrgico reserva, para o efeito, o dia 20 de Janeiro, vindo,
recentemente, a ser alterado para o 1º ou 2º fim de semana de Agosto, tendo por
objectivo fundamental dar oportunidade aos conterrâneos emigrantes a viver no
estrangeiro (constituindo uma comunidade considerável, facilitando-lhe o
regresso à sua Terra Natal, em gozo de férias), festejar no convívio dos seus
familiares e amigos a devoção tão antiga quão sentida de um dos santos de sua
eleição. Em jeito de nota de rodapé, dir-se-á que esta alteração de data da festa, (teve início em 6, 7 e 8 de Agosto de 1999),
atrás aludida, em nada diminuiu, bem pelo contrário, aumentou o fervor
religioso, bem como a diversidade de eventos culturais e de entretenimentos.
Pois, assim é ainda, com a
característica vincadamente mariana, de realçar a profunda manifestação pública
de devoção, que o povo dispensa a Nª Sª de Fátima, concretizada anual e
solenemente nas procissões dos dias 12 (à noite) e 13 de Outubro, e que tem
perdurado desde o aparecimento do fenómeno religioso das aparições de Nª Sª de
Fátima (13 de Maio de 1917) às três criancinhas na Cova da Iria, que a Igreja
interiorizou, autorizou e propagou a sua Mensagem.
A par destas manifestações de cariz religioso, acrescem ainda as duas
Irmandades, a saber: a das Almas e a do Sagrado Coração de Jesus. Ambas são
desprovidas de estatutos. A primeira, centra a sua actividade principal, no
período da quaresma, com a organização do Aniversário das Almas, traduzindo-se
numa cerimónia religiosa, seguida de missa solene em sufrágio das almas do
purgatório em geral, bem como, em particular, pela de todos aqueles que, ao
longo do ano, deixaram de pertencer ao reino dos vivos. Sublinha-se que a
comunidade paroquial acompanha e participa nesta solenidade com particular
devoção. Esta irmandade tem ainda a preocupação de, no decurso do ano, mandar
celebrar missas em sufrágio das almas dos falecidos. A segunda, tinha a sua
actividade direccionada para a devoção ao Sagrado Coração de Jesus,
designadamente para a última sexta-feira de cada mês, privilegiando os seus
associados, com as quotas em dia, __ em caso de falecimento __ serem acompanhados, no cortejo fúnebre, da
Cruz e lanternas de prata e ainda a Bandeira Nova das Almas. Caso contrário,
não usufruíam destas mordomias, restando-lhes apenas a Cruz e lanternas com
haste de pau e uma outra Bandeira das Almas (alfaias religiosas considerados de
menor qualidade). Porém, a irmandade também mandava celebrar missas em sufrágio
dos seus associados. Destas duas irmandades, somente a primeira se mantém,
enquanto a segunda, infelizmente, se extinguiu, em 2002, devido à
indisponibilidade de mordomos para assumir o cargo e assegurar a sua
continuidade.
Por expansão dos eremitas Gracianos, que
seguiam a Regra (conjunto de normas de cariz espiritual de comunidades
religiosas de frades) de S. Agostinho, doutor da Igreja (homem conceituado nas
letras e nos saberes da filosofia e teologia cristãs e de aceitação universal),
chegaram a instalar-se, não raras vezes, em pequenos povoados. Sublinha-se a propósito
que esta congregação foi canonicamente constituída em 1256 sob os auspícios do
papa Alexandre IV, e por volta de 1243 surgem na Península os eremitas Fr.
Pascácio e Fr. João Lombardo com orientações superiores de organização de nova
província religiosa. Dá-se, em Lisboa, em 1272, a unificação de vários
conventos existentes nos reinados de D. Afonso Henriques (conquista de Lisboa
1147) e D. Sancho I, permanecendo como padroeira a sempre Nª Srª da Graça, que
por seu intermédio, graças sem fim, concedeu aos nossos primeiros reis em
momentos históricos e decisivos nas sua aventuras bélicas, que conduziram à
fundação e consolidação da nacionalidade portuguesa.
Para além de ser entendido como um
nobilíssimo título era também assumido como um singular dom a atribuição de
denominação de Nª Sª da Graça a qualquer igreja erigida no reino. Não é pois,
de estranhar que grandes acontecimentos históricos estejam associados à
veneração de Nª Sª da Graça, como sejam os da conquista de Torres Vedras
(1367), Santarém (1376), Évora (1380), Montemoro-o-Velho (1494)..., que
culminam em construção de igrejas em seu preito e homenagem.
Aqui, na margem esquerda da Ribeira de
Vale de Mouro, junto à estrada municipal 591 ( Póvoa/Vale do Seixo), admite-se
ter existido um antigo mosteiro no local da Quinta do Passal (que como o nome
indica é um terreno pertencente à residência de um pároco ou frade), com
provável anexação dos terrenos limítrofes das Quintas do Grilo e do Pisoeiro.
Apenas
no reinado de D. João I (1385-1453), e em resultado das guerras da
independência travadas contra os espanhóis, se consumou a separação dos
conventos fixados em território português, sob jurisprudência eclesiástica
espanhola, passando, “ipso facto” (pelo próprio facto) a obedecer ao priorado
geral, constituindo-se em província Graciana independente, em 1477.
ZÉ CONDESSO
Continua na próxima edição do “Olhar Diférente”
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